Ártico

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

[SOCIAL] O Descarte das Pessoas


Que as pessoas mudaram sua forma de se relacionar, não resta dúvida. Mas quem são (somos) essas novas criaturas, como elas vivenciam seus afetos?

O sociólogo Zygmunt Bauman criou a expressão “amor líquido”, para definir o novo tipo de relação de nossa época. O “líquido” se refere à condição de coisa fluida, que escorre, escapa, sem concretude. As pessoas não investem mais tanto tempo ou esforço para se conhecer, se vincular e defender o elo que conseguiram formar.

Buscar o amor é visto hoje como uma lição a ser aprendida, então quanto mais treino, mais habilidade. Assim, acreditamos “que o próximo amor será uma experiência ainda mais estimulante do que a que estamos vivendo atualmente, embora não tão emocionante ou excitante quanto a que virá depois.” Ao invés de dar uma chance e evoluir o que temos na mão, sempre nos perguntamos se não haveria alguém ainda melhor logo ali depois da próxima esquina da vida. Na nossa sociedade imediatista, compramos ilusões, e o amor é visto como mais um artigo de consumo. “Quando se é traído pela qualidade, tende-se a buscar a desforra na quantidade. (...) Estar em movimento, antes um privilégio e uma conquista, torna-se uma necessidade. Manter-se em alta velocidade, antes uma aventura estimulante, vira uma tarefa cansativa”, diz Bauman.


Num mundo onde cada vez mais nos comunicamos com os outros por meios não presenciais (emails, chats, torpedos via celular, cartões virtuais), transformamos nossas relações em meras conexões, que podem ser facilmente desfeitas ao apertar a tecla delete. Conectamos com muita gente, mas num nível superficial e descartável. Fazemos parte de várias redes sociais, com uma quantidade de “amigos” irreal; usamos sites de namoro tal qual um grande supermercado de gente. Ao invés de batalhar para resolver as diferenças do casal, partimos para outra. Ao invés de dar uma chance para o outro nos conhecer verdadeiramente, nos escondemos atrás do computador ou do celular, e não baixamos a guarda jamais.

Analisando bioquimicamente: a paixão estimula as glândulas supra-renais, que produzem catecolaminas, hormônios ligados à excitação e ao stress. Por isso ela é algo excitante e às vezes agressivo. Já no amor o hipotálamo recebe uma carga de feniletilamina, espécie de anfetamina natural, que estimula o sistema de prazer e produz endorfina, substância que traz calma e relaxamento. Por isso a sensação de entrega, contentamento e euforia quando estamos amando. Eu sei, não parece muito romântico se olhado dessa forma. Amar é um interesse intenso por algum objeto - desejamos estar perto, tocar, ouvir e olhar – e assim obter prazer e satisfação. Portanto, amar envolve todos os nossos sentidos profundamente.

Em nossa cultura consumista, que estimula o descarte, o prazer imediato e passageiro, tudo que não demande muito esforço, satisfação garantida ou seu dinheiro de volta e receitas testadas e aprovadas, amar se transformou num “produto” a ser comprado por seus atributos externos sedutores, consumido de preferência sem muita dedicação e com resultados comprovados. Ora, amor não é um produto, o prêmio de um concurso nem uma ciência exata; ele demanda coragem e muita disciplina, num ambiente de eterna incerteza.

As coisas estão complicadas para nós, os pós-modernos. Tal qual avatares do século 21, fazemos representações de nós mesmos, para não revelar nosso autêntico ser. Que vai ficando cada dia mais dissolvido, intangível e insatisfeito por esse nosso hábito de consumir e descartar pessoas. E estas, por sua vez, se tornam cada vez mais irrelevantes.

5 comentários:

Beth Johann disse...

----- Original Message -----
From: Beth Johann
To: Amor ao Planeta
Sent: Friday, December 11, 2009 7:36 AM
Subject: Re: MKT AMIGOS [Amor ao Planeta] O Descarte das Pessoas e nossa "incomplitude"...


Oi, Patrícia e demais "blogueiros":

Muito lindo e oportuno o teu texto sobre as relações descartáveis entre as pessoas, sobre o "estar em movimento", sobre as conexões deletáveis...

Se realmente "somos anjos de uma asa só, que para voar precisam abraçar um outro", esta busca pode estar se perdendo ao tentarmos arrancar a asa do outro, ou ao avaliarmos que ela é pequena demais para os vôos transplanetários que almejamos fazer, que tem penas arrepiadas, ou algum outro tipo de defeito-nada-a-ver. Na verdade, estamos "jogando" no outro nossa "incomplitude", nosso próprio vazio...

Mas como relacionamentos são capítulos de um livro, devemos concluí-los antes de iniciar um outro. Agindo assim, teremos pleno domínio sobre a nossa própria estória de vida, criando asas próprias só nossas! E teremos vivido essa vida, voando além das nuvens, além das luzes, além do além!

Que em 2010 todos nós descubramos que podemos voar sozinhos, sim (nem que seja de asa delta....rsrsrs),

BETH JOHANN

Carla Tini disse...

From: Carla Tini
To: 'Amor ao Planeta II'
Sent: Friday, December 11, 2009 6:48 AM
Subject: RES: MKT JUNDIAI 5 [Amor ao Planeta] [SOCIAL] O Descarte das Pessoas

Sabias palavras e verdadeiras.

Abraços

Carla Tini

Camila Bosio Teixeira disse...

From: Camila Bosio Teixeira
To: Amor ao Planeta
Sent: Sunday, December 13, 2009 3:39 PM
Subject: Re: MKT ABC 26 [Amor ao Planeta] [SOCIAL] O Descarte das Pessoas


Adorei o artigo!! sensacional!

Marcio Schiavo disse...

From: mschiavo@comunicarte.com.br
To: Amor ao Planeta II
Sent: Sunday, December 13, 2009 5:32 AM
Subject: Re: CI ETHOS [Amor ao Planeta] [SOCIAL] O Descarte das Pessoas



Minha prezada e relevante Patrícia

Sempre leio Amor ao Planeta. Aprecio.É uma forma fluída, talvez, de acompanhar você e seu trabalho. Este, especialmente, chamou-me a atenção. Tanto pelo tema -amor, como pelo conceito - fluidez nas relações.
Também uso há algum tempo o conceito de se liquefazer, mas com outro sentido. Aplico uma das propriedades dos líquidos, que é tomar a forma do recepiente que o contém, sem perder suas características. Isso permite se adaptar a@ outr@, compartilhar-lhe a forma e fazer dos dois, um único conteúdo. Quando as coisas vão bem, é solução. Quando não, é mistura.
Endorficamente falando, é sempre um prazer ler seus textos, que quase sempre não deleto.
Como por ofício, muitas vezes, trato de administrar o intangível, entendo bem o significado e o significante de seus comentários. E gosto.
Vá em frente. Sem deixar o que de bom ficou para trás, nem antecipar o que virá para frente.

Marcio Schiavo

Ana Raquel Albergaria disse...

From: Ana Raquel Albergaria Pena
To: Amor ao Planeta
Sent: Saturday, December 12, 2009 1:38 PM

Olá Patricia,
Parabens.. excelente o artigo.
Disse tudo com mta propriedade.. e por isso temos que entrar cada vez mais na chamada "5a dimensão"
Segue minha contribuição em anexo.
um beijo grande.
Ana Raquel