Ártico

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

[SOCIAL] O Alcorão e os Mano do ABC


Fiquei surpresa ao descobrir que havia escravos muçulmanos no Brasil e eles hoje inspiram a adesão de milhares de jovens da periferia a se tornarem “filhos do Islã” – e não mais de pais humilhados -, resgatando uma identidade cultural perdida e aviltada pelos colonizadores. Estima-se de 700 mil a 3 milhões os muçulmanos no país e já existem mesquitas até mesmo nos longínquos Amapá, Roraima e Amazonas. Rappers, hip-hoppers, negros, pardos, moradores de favelas, ex-presidiários, pessoas oprimidas que conseguiram, através dos rigores do islamismo, levar uma vida regrada, sem violência e recuperar sua auto-estima. Os Malés, povo guerreiro que foi manchete nos jornais de Boston, N.York e Londres se rebelaram em 1835 em Salvador contra os portugueses (fato mal citado em nossos livros de história) e os Haussás, trazidos à força do norte da Nigéria, lideraram rebeliões na Bahia no século 19.

O movimento ganhou força misturando a atitude do hip-hop da periferia paulista, a luta pelos direitos civis dos afro-descendentes americanos nos anos 60, ícones como Malcom X do filme de Spike Lee em 92, a farta mídia do 11 de Setembro e a difusão de informações pela internet. Os jovens não se dizem convertidos, mas “revertidos” para uma identidade seqüestrada pela escravidão que lhes dá orgulho.

O Vaticano declarou em 2008 que o número de muçulmanos no mundo já supera o de católicos. Igrejas “alternativas” exercem apelos limitados, muitas vezes dependentes de dinheiro ou de submissão. Esses jovens já se cansaram de abaixar a cabeça e viver em guetos, o Islã Hip-Hop lhes devolve a altivez, a mesma que enxergam na Palestina, no Iraque e no Afeganistão. Rola até a idéia de que o 11 de Setembro foi manobra dos EUA opressores para invadir os países muçulmanos !!!

Sou contra qualquer tipo de fanatismo religioso, que historicamente só trouxe desgraça, preconceito e guerras. Quando religião se cruza com ativismo político, sempre frutificam a intolerância, o separatismo e o radicalismo. Eles nascem da ignorância e da falta de perspectiva dos marginalizados sociais, que precisam se agarrar a alguma coisa para lhes dar um sentido maior para ir em frente, que lhes resgate a auto-estima. Os novos “revertidos” sonham com um Estado Islâmico no Brasil, e buscam fazer isso de forma organizada, pacífica, por meio da consciência. Combater o que chamam de “genocídio” da população periférica que vem desde a senzala, a maioria condenada a ter menos. Chamam a periferia de “senzala moderna”, onde lhes falta acesso ao conhecimento, segurança e respeito. Enquanto essa condição perdurar, o terreno estará livre e fértil para o crescimento de uma religião que, por exemplo, não é nada generosa com as mulheres – e pode representar um grande retrocesso se adotada com fanatismo (já vimos este filme: meninos pobres que entram nas escolas madrassas e futuramente explodem em algum shopping center).

Fonte: Revista Época, ed. 559, 02/02/09

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